Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



domingo, 26 de setembro de 2010

A revolução dos Bichos - Síntese.

O Senhor Jones e a esposa eram proprietários da Granja do Solar na Inglaterra. Possuíam alguns empregados. Os bichos da fazenda iam vivendo oprimidos e maltratados por eles, trabalhando demais e comendo o quase suficiente. Um dia o velho Major, um porco várias vezes campeão em exposições, teve um sonho muito estranho e reuniu os animais à noite para contá-lo. Chegaram os cachorros Ferrabrás, Lulu e Catavento, depois os porcos, que eram os mais inteligentes. As galinhas empoleiraram-se nas janelas, os pombos voaram para os caibros do telhado, as ovelhas e as vacas deitaram-se atrás dos porcos e ficaram a ruminar. Os dois cavalos de tração, Sansão e Quitéria, chegaram juntos. Depois vieram Maricota, a cabra branca, o burro Benjamin, o mais idoso, quase um filósofo. Mimosa, a égua vaidosa e fútil, que puxava a aranha do Sr. Jones, entrou requebrando-se. Foi aí que Major tomou a palavra:
-- Camaradas, eu tive um sonho. E quero transmiti-lo antes de morrer. Nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nenhum animal na Inglaterra é livre. O Homem é o nosso verdadeiro inimigo. É a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, nunca é tosquiado e não corre o suficiente para alcançar uma lebre. Mesmo assim, é o nosso Senhor. Por isso, camaradas, deixo-vos apenas uma palavra: Revolução!... Transmiti esta mensagem para todos e para as futuras gerações. Revolução ou morte! Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo; qualquer coisa que ande sobre quatro patas ou tenha asas é amigo. Nesta luta não devemos nos assemelhar ao homem. Depois que o derrotardes, não morai em casas, não dormi em camas, não usai roupas nem bebei álcool. Não fumar, não tocar em dinheiro nem fazer comércio. E o principal: jamais um animal deverá tiranizar outro animal, pois todos serão iguais. Vou lhes ensinar uma canção, camaradas, que devereis cantar todas as manhãs. Chama-se "Bichos da Inglaterra":
Bichos ingleses e irlandeses, bichos do mundo,
eis a mensagem de esperança no futuro que virá.
Cedo ou tarde virá o dia e cairá a tirania.
E os campos ingleses só aos bichos caberão.
Sem argolas nas ventas, dorso livre dos arreios,
sem freios e esporas, chicotadas abolidas.
Mais ricos que sonhamos, iremos possuir
o trigo, feno, cevada, pasto, aveia e feijão!
Lutemos por isso, mesmo que nos custe a vida.
Porcos, cavalos, vacas, galinhas e gansos,
liberdade conquistemos!...
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As vacas mugiram a canção, os cachorros latiram, as ovelhas baliram, os porcos berraram, os cavalos relincharam, os patos grasnaram. Mas o alarido acordou o Sr. Jones, que os pôs a correr.
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Quando me perguntarem quais os dez melhores livros que li na vida, seguramente colocarei dois de George Orwell. A Revolução dos Bichos e 1984, este último a previsão de um Grande Irmão (Big Brother) dominador do mundo e das pessoas, que não terão mais privacidade nem individualidade. Orfeu, o pascácio, meu alter-ego abobado, odeia o BB.
Nascido na Índia Britânica em 1903, foi de tudo um pouco na vida. Jornalista, romancista, lutou com os comunistas na Espanha contra Francisco Franco. Desgostoso com o totalitarismo que via crescer no mundo, produziu este livro, A Revolução dos Bichos, o maior libelo já escrito contra a opressão exercida em nome de falsas utopias de liberdade e igualdade. Morreu em 1950. Muitos autores reconhecem que o livro foi uma crítica candente ao ditador Stalin, que na época encantava os comunistas do mundo todo. O livro foi escrito logo após o término da Segunda Grande Guerra.
O velho Major faleceu dormindo três noites depois. A tarefa de continuar sua luta coube aos porcos, seguramente os mais inteligentes. Destacaram-se Napoleão, um cachaço forte, e Bola de Neve, da mesma idade e força. Este último era mais ativo, mas o primeiro gozava de mais reputação quanto ao caráter. Os discípulos mais fiéis dos porcos eram os dois cavalos de tração, Sansão e Quitéria, uma vez que estes tinham dificuldade de pensar por si próprios. Tudo o que lhes era dito passavam aos outros animais por repetição. E assim se fez a Revolução. Os bichos unidos correram da Granja com o seu dono, a mulher e os empregados, que fugiram para uma outra de propriedade de um amigo. A primeira coisa que os porcos, agora chefes, fizeram, foi colocar no curral uma tábua com os novos mandamentos. A Granja deixou de ser "do Solar" para ser "dos Bichos". Diziam os sete mandamentos:
Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
Qualquer coisa que ande sobre quatro patas ou tenha asas é amigo.
Nenhum animal usará roupas.
Nenhum animal dormirá em cama.
Nenhum animal beberá álcool.
Nenhum animal matará outro animal.
Todos os animais são iguais.
Foram formados grupos para melhor se organizarem. O Comitê da Produção de Ovos para as galinhas, a Liga das Caudas Limpas para as vacas, o Centro de Reeducação dos Animais Selvagens para domesticar ratos e coelhos, o Movimento Pró Lã Mais Branca que congregava as ovelhas. As classes de ler e escrever tiveram enorme sucesso e já no outono quase todos os bichos estavam alfabetizados. Mas os porcos é que elaboravam o que eles deviam aprender. Já liam e escreviam muito bem, melhor que os demais. Mas depois de certo tempo verificou-se que, exceto os porcos, nenhum animal foi além da letra A. Os mais estúpidos, como as galinhas, ovelhas e patos, eram incapazes de aprender de cor os sete mandamentos. Por isso Napoleão condensou estes mandamentos em uma só frase: QUATRO PATAS BOM, DUAS PERNAS RUIM! As ovelhas, principalmente, passavam o dia balindo.
Mas chegou o dia em que os bichos constataram que os porcos estavam comendo mais maçãs e bebendo mais leite. Quiseram fazer um protesto, mas eles os convenceram que era natural, pois comandavam e pensavam, coisa de muita responsabilidade, gastando para isso mais energia que um mero carregar de feno. Os bichos acabaram aceitando as explicações e se puseram a trabalhar mais ainda. ********************
Aconteceram, porém, problemas. O Sr. Jones tentou retomar a Granja, e trouxe com ele alguns amigos. Os bichos os botaram a correr, mas uma ovelha foi morta. A égua Quitéria fugiu e foi depois vista puxando uma charrete em outra Granja. Não suportou o fato de não mais ter direito a torrões de açúcar, como na época de Jones.
Ocorreu então que alguns bichos começaram a suspeitar que estavam trabalhando mais do que antes e ganhando menos comida. Mas tudo foi abafado por uma eleição que se seguiu. O porco Bola de Neve era candidato, prometendo uma semana de três dias de trabalho. O porco Napoleão prometia mais comida na manjedoura.
Ao final, Bola de Neve ganhou o pleito, mas foi expulso da Granja acusado de trair a Revolução. Napoleão, pobrezinho, viu-se obrigado a assumir a chefia da Granja, e faria isso com grande sacrifício pessoal. Começou por abolir as reuniões que os bichos faziam todos os domingos. O porco Garganta, seu imediato, fez ver aos outros bichos que Napoleão só queria o bem de todos. Dizia ele:
-- Ninguém mais que o Camarada Napoleão crê firmemente que todos os bichos são iguais. Feliz ele seria se pudesse deixar-vos tomar decisões por sua própria vontade. Mas poderíeis tomar decisões erradas, camaradas, e aí, onde iríamos parar? Quereis Bola de Neve de volta, o traidor, que se aliou a Jones? Quereis Jones de volta?
Os bichos não os queriam, por certo. Se as reuniões de domingo trouxessem os dois de volta, que não fossem feitas mais as reuniões. E todos trabalhariam mais ainda, reconhecidos com o sacrifício de Napoleão.
Os animais passaram então a não se sentar mais juntos. Os porcos tinham agora uma plataforma superior à frente, sendo protegidos pelos cachorros. Napoleão decretou que todo o trabalho seria voluntário, mas quem não o aceitasse somente teria a metade da ração, que já era bem pequena. Uma semana depois, ele também decretou que a Granja passaria agora a negociar com as granjas vizinhas, mesmo com homens. Era preciso aumentar a produção e fazer comércio, para que todos os bichos vivessem melhor.
Foi mais ou menos em seguida que os porcos resolveram se mudar para a casa de Jones. Garganta convenceu os animais que era absolutamente necessário que eles, sendo os cérebros da granja, tivessem um lugar calmo para trabalhar em benefício dos demais. E viver numa casa era mais adequado à dignidade do Líder, pois assim Napoleão deveria ser intitulado. Pouco tempo depois os porcos passaram a dormir nas camas, usando cobertores para o frio. Lá veio de novo o Garganta:
-- Vocês não seriam capazes de nos negar o repouso, com todo esse nosso trabalho intelectual. Para vocês é fácil. É só repetir e repetir o que fazem! Será que desejam o Jones de volta?
Este argumento era irrespondível. E quando os porcos passaram a se levantar uma hora mais tarde que os outros animais, ninguém mais achou estranho. Mas em Janeiro a comida diminuiu. A ração de milho foi drasticamente reduzida e uma ração de batata seria entregue em seu lugar. Há tempos que as maçãs e o leite eram destinados somente aos porcos. Os outros bichos dispunham de água, que era mais saudável. Aconteceu então a primeira dissidência. Napoleão negociara com uma granja o fornecimento de ovos e não consultara as galinhas. Três delas se revoltaram. Napoleão foi rápido. Cortou a ração delas por inteiro. Se comessem, os cachorros as matariam. Ela resistiram por cinco dias, depois voltaram arrependidas aos ninhos.
Quatro dias depois, à tardinha, Napoleão mandou que os bichos se reunissem no pátio. Saiu do casarão ostentando no peito duas medalhas que conferira a si próprio. A de Herói Animal Primeira Classe e a de Herói Animal Segunda Classe.
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As ovelhas eram mais dóceis porque não pensavam.
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E naquele mesmo dia, os cachorros levaram para a frente dos bichos quatro porcos pelas orelhas. Estes berravam e se contorciam. Estacaram à frente do Líder, guardados pelos ferozes cães. Napoleão pediu-lhes que confessassem seus crimes. Eles logo confessaram que tramavam com Bola de Neve contra a granja. Os cães os estraçalharam, num julgamento que parecia já estar resolvido. As três galinhas que se rebelaram foram degoladas. Os bichos, aterrorizados, recolheram-se, mas alguns deles lembravam que o sexto mandamento dizia que nenhum animal mataria outro animal. O burro, mais esperto, foi até o curral para ler e se certificar. Estava escrito: Um animal não matará outro sem motivo.
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Napoleão começou a ser reverenciado por outros títulos: Pai de todos os bichos, Terror da humanidade, Amigo dos Pintainhos, Protetor dos Apriscos. O porco Mínimo compôs para ele uma canção:
Tivesse eu um leitão e antes mesmo que atingisse
o tamanho de um garrafão ou de um barril,
já teria aprendido a ser eternamente
um teu fiel e leal servidor.
E o primeiro guincho que meu leitão daria seria:
"Camarada Napoleão!"

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Quatro cachorros passaram a montar guarda pessoal a Napoleão e um jovem porco teve a tarefa de lhe provar a comida, pois poderia ser envenenado por inimigos cruéis.
O grande Líder concedeu a si próprio a Ordem da Bandeira Verde, a maior comenda até então. Para comemorar, foi encontrada na adega da casa grande uma caixa de uísque. E para quem tivesse lido que nenhum animal beberia álcool, na verdade teria lido que "nenhum animal beberá álcool em excesso!"
Estabeleceu-se também que se um porco passasse por outro animal numa trilha, este animal deveria lhe ceder a passagem. No domingo, os porcos poderiam colocar fitas vermelhas nos rabichos.
Havia cada vez mais canções, discursos e desfiles, que eram chamados Manifestações Espontâneas, para comemorar a revolução vitoriosa. Como a Granja foi proclamada República, surgiu apenas um candidato, Napoleão, que foi eleito por unanimidade.
Sansão, que tanto trabalhara pela revolução e já estava velho, foi aposentado e mandado para um abrigo na Inglaterra. Veio um caminhão buscá-lo. Só que o burro conseguiu ler no caminhão: Alfred Simmons, matadouro de cavalos, fabricante de colas e de rações para canis.
Os bichos até se revoltaram, mas de nada adiantou. Passaram a crer que a fome, o cansaço e a decepção eram a lei imutável da vida. Na verdade, porcos e cachorros não produziam uma só grama de alimento, mas todos tinham um apetite fora do comum. E, numa noite fatídica, quando os animais se reuniram sem a presença dos porcos, que estavam na casa grande, a luz permitiu que eles fossem vistos andando somente sobre as duas patas traseiras. Parece que todos os mandamentos tinham sido mudados. O burro voltou ao curral e conseguiu ler para os outros uma nova placa com os seguintes dizeres: "TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS, MAS ALGUNS ANIMAIS SÃO MAIS IGUAIS DO QUE OS OUTROS".
Depois disso, os porcos não mais se envergonharam de andar com duas patas e portar um chicote.
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E numa noite os bichos ouviram gritos e impropérios na casa dos porcos. Barulho de brigas e xingamentos. Foram olhar, protegidos pela escuridão, e viram lá porcos e homens a beber e brigar. É que eles jogavam cartas e um tal senhor Pilkington e Napoleão lançaram ao mesmo tempo um ás de espadas.
Não havia dúvidas sobre o que sucedera à fisionomia dos porcos. Os infelizes animais olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez. Mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco.
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