Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Santa Catarina de Alexandria (IV).

Santa Catarina e a crítica histórica.
É sempre impressionante o contraste da abundância da documentação referente à martir de Alexandria e seu culto a partir do século XI, e a progressiva escassez documentária, mesmo o silêncio, nos séculos nteriores. Exemplo dessa abundância é um livro de 388 páginas intitulado "Vida de Santa Catarina" escrito por Jean Mielot em Lille, norte da frança, em 1457, por ordem de Felipe, o Bom, duque de Borgonha. É a elaborsção de todas as otícias e lendas que circulavam sobre a Santa, sua vida e seus milagres até o século XV. Um estudioso moderno, Bardy, qualifica o livro de puro romance... Cabe aqui a pergunta, já feita em outros termos acima. É possível, através dos enfeites da imaginação do "puro romance", chagar à verdade histórica? Respondendo positivamente, vou seguir resumindo os passos da argumentação que apresenta Giamberardini, no seu já citado opúsculo "Santa Cateriba de Alessandria".
a. O núcleo histórico. Reduz-se aos dados seguintes: Sob Maximino, pelo ano 307, em Alexandria, na então província romana do Egito, uma joverm cristã, dentre outras, Catarina, sofreu o martírio em testemunho de sua fé cristã e em defesa de sua virgindade. Era de família distinta, de posses e instruida. A preservação de sua memória, num culto que foi crescendo, é o reconhecimento de sua santidade heroica.
b. Critérios hagiográficos. Normalmente, a história de um Santo ou Santa é embelezada com detalhes edificantes, constituindo um gênero literário que, especialmente em tempos passados, realçava o aspecto maravilhoso. Toca ao historiador moderno discernir estes enfeites nos quais se compraz a devoção e, a seguir, a lenda, desbastando-os para fazer emergir o núcleo histórico.
c. Documentos. Começando pelo século XI, é do início desse século, bem antes, portanto, das cruzadas, que data a vinda de algumas relíquias de Santa Catarina, do Sinai para Rouen, na França,  redigindo-se pouco depois um documento que relata essa vinda bem como os milagres que a partir de então ali aconteceram.  Do mesmo século datam três belos hinos dedicados à Santa, compostos por Alfano, bispo de Salerno, no sul da Itália.
d. Do século X data a Passio em latim, reelaborada a partir de um texto grego mais antigo.. Do mesmo século data a composição de Metafrastes, um monge do monte Athos, no norte da Grécia, composição intitulada "Martírio da Santa e grande Mártir de Cristo Aikaterina". Também do século X data o menológio de basílio X, com iluminuras representando cenas do martírio da Santa.
e. Do século IX temos uma Vida da Santa, conservada na biblioteca de Lambach, na Baviera. Do mesmo século, um afresco a retrata na basílica de São Clemente, em Roma, bem como nas catacumbas de San Genaro, em Nápoles, onde ela é identificada como Ekaterina.
f. Do século VIII temos a menção da Passio Eckaterinae Virginis Dei, no Manuscrito Claromontano conservado na biblioteca de Munique, menção que supoõe um texto anterior, traduzido de um original grego ainda anterior., provavelmente do século VI. Também do século VIII data um afresco na basílica de São Lourenço fora-dos-muros, em Roma, representasndo vários Santos, entre os quais Catarina, deivdamente identificada.
g. Do século VII, ou mesmo do século VI, segundo Viteau, data a Passio original, grega, provavelmente escrita no Sinai após a translação do corpo. Esta Passio, traduzida, deu origem à expansão do culto da Santa no Ocidente.
h. Os séculos V e IV são os séculos do silêncio documentário. Neles não encontramos documentação alguma referente à Santa, a não ser o já citado texto de Eusébio (339), retomado, pouco depois, com alguas variantes, plelo também historiador cristão Rufino. (410).

Foi o cardeal Barônio, grande historiador da Igreja do século XVI, quem aventou a hipótese da identificação da mártir anônima de Eusébio com a nossa Santa Catarina. Seguindo a sugestão de Giamberardini, apresento em sinopse a narrativa de Eusébio, do século IV, e a de Metafrastes, do século X.

EUSÉBIO
(História eclesiástica VIII,  14-15).
Maximino perpetrou no Oriente e no Egito, onde era imperador, todo tipo de vexação. As mulheres eram humilhadas. Algumas cediam. Outras, as cristãs, opunhan resistência. Exemplo de heroismo foi uma alexandrina. Ela, cristã nobilíssima e rica de Alexandria, entre as mulheres que foram molestadas pelo tirano, foi uma das que com viril firmeza venceu o ânimo passional e libidinoso de Maximino. Era uma mulher célebre pela nobreza da família, pelas posses e pela erudição. Ela, porém, a todos esses bens antepunha a castidade. O tirano, tendo-a interpelado mais vezes a fim de possuí-la, encontrou-a preferindo antes a morte. Não se decidiu, porém, a mandar matá-la, porque nele era mais forte a paixão que a crueldade.  Finalmente privou-a de todos os seus bens e mandou-a para o exílio.

METAFRASTES
Martírio da Santa e grande Mártir de Cristo Catarina (pg 116, 275-302).
Maximino lançou os olhos sobre a grande Mártir. Ela se chamava Catarina e vivia em Alexandria. Era bela e jovem de corpo e de espírito.  Era também rica e nobre, descendente de sangue real. Decidiras, porém, ter só a Cristo como esposo.  Era muito instruida em Filosofia, na arte retórica, na geometria e em outras ciências. Graças à sua erudição, pode contestar e logo converter ao cristianismo cinquenta sábios, os quais depois, por castigo, foram condenados ao fogo. Converteu também a imperatriz Augusta, à qual, por ordem de Maximino, foram amputados os seios. Catarina, depois de haver frustrado todas as torpes insistências, foi condenada primeiro ao cárcere, depois ao suplício da roda, enfim à decapitação. Do seu pescoço, ferido pela espada, fluiu leite em vez de sangue. O corpo, para ser preservado, foi transportado pelos anjos, de Alexandria até o Sinai.

Salta aos olhos a diferença entre a sobriedade das informações do historiador contemporâneo e a abundância de detalhes do hagiógrafo bem posterior. Evidencia-se também a diferença da conclusão do relato de Eusébio, em relação ao desfecho da narrativa tradicional representada por Metafrastes. A anônima de Eusébio não é executada, mas mandada para o exílio, enquanto Santa Catarina foi decapitada. Exatamente por isso, os Bolandistas não aceitaram a hipótese de Barônio, de que a anônima de Eusébio poderia ser a nossa Santa.  Como ficamos? Penso que a conclusão que se impõe é a que já propus acima:  entre as mártires de historicidade comprovada da perseguição de Maximino,  podemos tranquilamente incluir aquela cujo nome, por circunstâncias não bem esclarecidas, só pouco a pouco foi sendo declinado e proclamado: Santa Catarina de Alexandria.

Bolandistas: pesquisadores críticos das vidas dos Santos que, a partir do século XVII, empreenderam o trabalho de expurgá-las dos exageros lendários.  Seu nome vem do primeiro deles, o jesuita belga Jena Bolland, falecido em em 1665. 
Menológio: catálogo dos mártires na Igreja grega. (dicionário Aurélio).
Iluminuras: arte que, nos antigos manuscritos, orna o texto por meio de pintura ou arabescos de cores vivas, No seu todo, nas letras iniciais das frases ou períodos, etc. (dicionário Aurélio).
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Estudo do padre Ney Brasil Pereira.
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