Roberto Rodrigues de Menezes.

Roberto Rodrigues de Menezes



sexta-feira, 16 de março de 2012

Origens da Língua portuguesa.


Luiz Vaz de Camões


Alguns dos senhores leitores podem achar este tema maçante, mas, como fala o açoriano, no meu dizer, é um dos temas mais fascinantes do estudo do idioma: as suas origens.
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Os senhores já devem ter ouvido a bela poesia de Olavo Bilac a respeito da língua portuguesa, pelo menos no seu começo.
"Última flor do Lácio, inculta e bela,
és a um tempo esplendor e sepultura".
Esplendor para os que a cultivam, sepultura para os que a rejeitam. Para iniciar nosso estudo, precisamos saber o que é o Lácio. Foi uma região romana, na época do nascer do grandioso império, próxima da cidade de Roma. Em latim se diz Latium. Este vocábulo é escrito com T, mas pronunciado com som de C. Regra da língua latina, que não cabe aqui comentar. Aportuguesando, ficou Lácio, terra dos latinos, cuja língua veio a ser o latim. Os latinos constituíam um povo sem muita expressão no contexto do Império, mas sua contribuição fundamental foi o idioma, tornado oficial na terra dos Césares. Precisamos saber, então, como o Latim, idioma dos romanos e da península itálica, foi chegar na península ibérica, parte extremo oeste da Europa, onde hoje habitam espanhóis e portugueses.
Na época medieval lá habitavam povos diversos, com línguas diversas. Os dois mais conhecidos eram os celtas e os iberos (alguns professores falam íberos. Acho assim mais bonito). Estes dois povos foram, com o tempo, ocupando espaço comum, se aproximando, resultando num só. Passaram a ser chamados celtíberos.
E para lá se dirigiram os romanos com suas legiões, na ânsia de conquistar o mundo. Na ponta da península, onde hoje está Portugal, predominavam os celtas, mas também passavam por lá, muitos permanecendo, fenícios, gregos, cartagineses, e mais tarde bárbaros, germânicos e árabes. Podem imaginar que mistura de idiomas havia.
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Os senhores devem recordar quando estudaram no ginásio (eu fui desta época), que no século terceiro A.C. o General romano Públio Cornélio Cipião se abalou de Roma nos navios a remos (lembram das galés?) e velas da incrível frota romana, para destruir Cartago, uma bela cidade da costa noroeste da África. E a destruiu realmente. Em Roma se dizia: Delenda Cartago! (Cartago deve ser destruída) "Delenda" é uma declinação do verbo latino deletare, que os senhores hoje usam em seus computadores para "destruir" o que não desejam que lá permaneça.
Mas, para destruir Cartago, o general precisava de umas bases logísticas na península ibérica, a meio caminho da África. Invada-se a Ibéria, pois, pois.
Ibéria era e é uma expressão que designa a península do mesmo nome. Talvez seja também nome de uma companhia de aviação, não sei bem.
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Os romanos dominaram a península por cerca de duzentos anos, uma conquista mais fácil no sul, onde habitavam povos mais civilizados. No norte, como os povos eram mais rudes e aguerridos, a conquista se tornou mais difícil. Na época de César Augusto (quando Cristo nasceu), os romanos já dominavam toda a Ibéria. E para lá levaram, além do domínio, toda a sua cultura, a língua inclusive. Diz-se que "romanizaram" as novas terras. Belas estradas, escolas públicas, os liceus copiados dos gregos, templos magníficos em honra a seus diversos e não tão bem comportados deuses, exploração de minas, casas de banho, comércio e correios organizados, tudo isso foi rapidamente assimilado pelas populações da península.
E nesse contexto se fazia necessário, para os romanos, impor o seu idioma, que era o Latim. Para isso, obrigaram a utilização da língua nas transações comerciais, nas questões forenses (os romanos tinham um arcabouço jurídico muito organizado, que ainda hoje nos influencia), nos atos oficiais de governo, além do serviço militar obrigatório para os povos dominados. E nos quartéis e centúrias todos eram obrigados a falar o latim. Os romanos utilizavam uma tática inteligente no serviço militar. Colocavam elementos de povos diversos num só corpo. O nativo nunca servia em sua própria terra, indo sempre para outra. Ocorre que num corpo militar havia gente de todas as nacionalidades. Celtas, íberos, gauleses, fenícios, cartagineses, etc. Como cada um tinha o seu idioma nativo, que não era entendido pelo amigo da lado, só restava falar o Latim, que passou a ser a língua comum dos soldados.
E foi desta língua, senhores, o Latim chamado VULGAR, dos soldados romanos, que se originou a nossa flor do Lácio. Última porque os idiomas latinos mais importantes, como o italiano, francês e espanhol, se organizaram antes do nosso belo Português.
Os soldados, por certo, não falavam o Latim rebuscado de políticos como Cícero e Júlio César. Nem o Latim dos escritores Horácio, Fedro, Vergílio, Eneida, Ovídio.
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No ano 74 de nossa era o imperador romano Vespasiano (aquele que perseguia os cristãos, só perdendo para Nero) concedeu direito de cidadania romana aos nativos da península ibérica. Mais uma motivação para a utilização do Latim, que se expandiu, sim, mas sempre influenciado pelos falares regionais. Espanhóis, italianos, franceses e portugueses falam línguas próximas entre si, mas diversas por causa desta influência. Podemos ver, então, que o idioma vai evoluindo no tempo e no espaço por uma série de fatores.
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Já vimos que o latim literário era falado pelos intelectuais romanos. O vulgar pelo povão. Os primeiros davam denominações até desdenhosas para a fala dos segundos:
sermo plebeus - fala do povão.
sermo proletarius - fala dos empregados em minas, indústrias e comércio.
sermo castrensis - fala do soldado.
Lembram-se do sermão do padre? Vem da palavra sermo, que significa fala. A expressão latina castra designava acampamento militar. Daí a expressão justiça castrense, que nós, militares, tão bem conhecemos.
Deste sermo castrensis deriva a nossa língua, no seu início. Mas, naquela época, o latim literário constituia a língua escrita e o vulgar era unicamente falado (isso não mudou em nada).
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Continuemos a nossa história. A península Ibérica sofreu outras dominações, com a decadência do Império Romano. Povos bárbaros vieram dos confins do norte europeu, e mais tarde árabes do norte da África, que na península foram chamados mouros. Quem gosta de fado, ao ouvir a inimitável Amália Rodrigues (sou fã incondicional dos fados lusitanos), lembra da expressão mouraria, que seria o bairro ou lugar habitado pelos mouros. Quando pequenos, nunca ouvimos falar da história da carochinha cujo personagem principal era a moura-torta? (Isso sim é que era preconceito, não as atuais bobagens. Até hoje nunca esqueci. Quando se perguntava pela moura-torta alguém dizia: Come bem, dorme bem, leva vida regalada, tão serena e sossegada como no mundo ninguém)
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Mas, voltando ao nosso assunto, a invasão dos bárbaros no século V determinou a quebra dos laços da península com Roma. Alanos e suevos ao norte e os vândalos ao sul. Estes últimos eram tão desgraçados, que ainda hoje se utiliza a expressão vândalos para aqueles ignorantes primitivos que destroem lixeiras, ônibus, saqueiam lojas e supermercados em nome de uma causa.
Mais eis que os visigodos (lembram aquela coisa de visigodos, ostrogodos, que a gente decorava?), povos de origem germânica, mais civilizados, expulsaram todos os outros da península e passaram, obviamente, a dominá-la.
Embora os árabes mais tarde, tenham dominado a península por sete séculos, tiveram influência menor, ou quiçá igual aos visigodos, mais europeus. Estes dois povos trouxeram também a sua língua, que influenciou e foi influenciada pelo falar nativo.
Podemos concluir que desta mescla de falares celtas, íberos, cartagineses, fenícios, gregos, ROMANOS, povos bárbaros, visigodos, árabes, se originou a nossa Flor, cantada em verso pelos poetas tísicos e em prosa pelos mais espertos. Procuro ser poeta também, não esqueçam, embora meio roto. Dei ênfase aos romanos, pois a base de nossa língua é o Latim.
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(Senhores, finalizo o artigo na segunda-feira, pois já estou meio sem pique. É a idade).
Reprodução de 06-05-2010.
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Um comentário:

  1. A manifestação cultural do povo pobre criou a língua portuguesa. Por isso, como alfabetizadora, ensino meus alunos a escreverem como falam. Não oprimo suas manifestações críticas e criativas. Incentivo inclusive o internetês. Em breve falaremos e escreveremos o idioma brasileiro neste país. Viva Paulo Freire e a pedagogia da Libertação.
    Lucinéia.

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